Kaique Ferreira dos Santos Harada, nascido em 1998. Escreve poemas e outros textos. Ainda não publicou nenhuma obra, contudo vem acumulando experiência na vida para lançar algo em sua maturidade. Acredita na poesia como tratamento individual e força coletiva para os tempos sombrios. Penso que o trabalho humano, em especial o ofício da escrita, é uma das formas que nos valida dentro do tempo e do universo.
Aquarius
I
Todos os sonhos estão afundados
na planície de enxofre que é o mar.
A custo brota uma flor-marinha,
tentativa de nomear a natureza. Vem cantar:
“Teu mal, ter um coração d’água,
anda comendo teu sangue,
desde quando vem aceitando essa pornografia?”
Um sonho matou um sonho
e neste o mar se continha inteiro.
II
Era um sonho dentro de um sonho,
pois o mar se achava límpido e imovente
e nele se viam centenas de peixes se alimentando
no entardecer, mas é como se não os visse
dentro da água profunda,
estavam somente como sombra.
Apenas um deles, reluzente, fazia arcos dentro d’água,
se aprofundando em sua natureza marinha,
mas é como se fosse um pássaro
dentro do céu profundo
que é água refletida.
III
Na canção dos pescadores ao entardecer
que voltavam para jantar
sem falar das águas, sem soltar som
de água. Apenas chegavam nas casas
e suas esposas olhavam
o peixe batido de corte que não era de faca,
mas de trabalho cansado e fadiga humana.
O canto viscoso escorregava de pesca em pesca
e não os deixavam aglutinar
entre suas varas e barcos furados.
Era o que lhes permitia sonhar.
IV
Naquela tarde havia um momento cônscio,
quando o espelho da terra se tornava laranja e único com os ares.
Impossível, no céu, perder-se,
se se segue o pássaro,
antes que comece a bicar incessantemente
o estresse de cada mente.
Pois o casal já dormia, e a água mansa aguardava que o céu tocasse
esse material sulfúrico que desidrata sonhos.
Mas o pássaro não assentiria,
com seu bater de asas,
faria do céu e do mar, numa vez só, um betume negro.
Foto de Luísa Machado.